O ESPECTRO E A VIOLÊNCIA

 

Todos nós somos, indireta ou diretamente, vítimas de violência, seja física, simbólica, psicológica ou verbal. Antes de tudo, o que seria, em verdade, a violência? Defini-la pode ter muitos caminhos, mas creio que o melhor é este: um ato de difamação e exclusão, através de princípios arbitrários que definem hierarquias entre os indivíduos, tendo como base características comportamentais, morais ou físicas. A violência é um dos principais instrumentos de poder e dominação. Partindo para o aspecto micro da discussão: todos pertencentes ao espectro autista sofreram ou sofrem violências, seja no ambiente doméstico e familiar ou em outras institucionalidades, inclusive no mercado de trabalho. Pais e mães têm de batalhar para que seus filhos tenham direito aos tratamentos médicos necessários, visando conquistar qualidade de vida. A escola é definitivamente um espaço de violências, onde nós autistas não somos bem-vindos muitas vezes. Um lugar difícil de estar e pertencer, seja pelas barreiras institucionais e sociais. Ademais, a conquista do primeiro emprego é uma jornada trabalhosa, repleta de percalços.

A trajetória rumo à independência e autonomia é abarrotada de muitos momentos cheios de entraves e situações que lhe faram pensar em desistir. Ser parte do espectro autista significa lutar pela sobrevivência da própria identidade sendo vítima simultaneamente de inúmeras violências que nos incapacitam, deixando-nos em último plano em toda a dinâmica social. É desencorajador pensar que muitas pessoas ainda não possuem o direito humano ao bem-estar, a qualidade de vida, o respeito e a liberdade garantida. No Brasil ainda há muito que avançar em relação aos direitos das pessoas com deficiência, para que o Artigo 5º da Constituição Federal transcenda a formalidade: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.

Lembro-me claramente da fala emitida pela personagem principal, Alan Turing, do filme “O Jogo da Imitação”, de 2014, dirigido por Mortem Tyldum. Perguntando: “Você sabe por que as pessoas gostam de violência?”. A resposta para essa pergunta implica analisar fatores sociais envolvidos na prática cotidiana. Todos nós, de alguma forma, contribuímos para subalternização de um grupo social por crermos ser superiores, melhores. Construímos essas hierarquias para discriminar e marginalizar aqueles que divergem da norma. Falta-nos a construção de uma ética que englobe a igualdade da diversidade, proporcionando que cidadãos neurodiversos possam desfrutar dos bens ofertados pela sociedade, sejam materiais e imateriais. Violência gera desigualdade, abandono, desolação, solidão e falta de esperança.

Vitor Lucas




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